quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Prosa na estante



Café de coador





(luiz alfredo motta fontana)






Nhô Cansado, compadre de Sinhá Sensata, andava meio ressabiado.

Tem ouvido coisas demais, e soluções de menos, não tem encontrado, nas conversas, no assuntar, no correr a vista cansada pelos diários, uma herança de seu avô, preciosa herança que sempre utilizou com cuidares, com respeito, sabendo estar tratando com uma virtude.

Sinhá Sensata, enquanto serve o café, ainda pouco saído do coador, observa esse franzir de testa, esse olhar de sanhaço ouvindo algazarra de meninos, esse quase resmungo do Nhô Cansado.

Perguntar o motivo, não comete, ela é do tempo deixar vir, do amadurecer para colher, e assim só espreita.

Entre o picar do fumo e o cortar da palha, na pousada da tarde, ali perto do borralho, Nhô Cansado, após o calmo pigarro, naquele jeito pausado, como quem repassa manteiga no pão caseiro, exclama:

- Comadre!

E manso, como riacho em tempo de seca, acrescenta:

- Esse povo de Brasília, tá perdendo o prumo e o rumo.

- Parece içá caida no terreiro, sem chance de cavar, perdendo asas e vendo o destino chegar no bico do anú.

- Afinal!

Elevando o tom e guardando o canivete:

- Comadre, eles nunca ouviram falar em bom senso?

E nada mais falou, distraído pela chama da binga, aquela mesma que herdara do pai, como o cadinho, ainda vivo, de bom senso ao falar.

O café cheirava como saudade.

Do tempo que escorreu pelo caminho, do olhar o jeito da mocinha sorrir depois do primeiro beijo, do gosto do primeiro trago por conta própria.

Nhô cansado perdido no fumar já não mais franzia a testa.

A tarde retomou seu rumo.

Sinhá Sensata já cuidava do preparo do jantar.

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