terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Prosa na estante




O bar, a tarde, e o final de ano




(luiz alfredo motta fontana)






Tarde calma, como devem ser as tardes do derradeiro dia do ano, nas casas os sonhos começam a ser lavados, as cozinhas já antecipam o aroma dos temperos e carinhos, os frezers começam atingir suas temperaturas idealizadas.

O bar, fechado para descanso, mal responde ao acender das luzes laterais, o balcão reina absoluto, frente ao ordenado descansar de mesas e cadeiras.

Ao, ligar o som ambiente, entremeado de blues e MPB, reconheçe o arranjo de um Tamba Trio que percorreu tantas noites em boêmia recém descoberta, numa São Paulo ainda ingênua, nos anos sessenta.

- Não se faz balanço de anos. Pensou, para concluir: - Esse proceder é próprio das instituições financeiras, o que se faz, numa tarde de 31 de dezembro, é apenas escolher as memórias que irão ficar.

Como parceiro e cúmplice, empunhou o copo baixo, desde sempre, o baixo, o cristal no limite, e nele o suave tom do scotch, diluindo-se em gelo.

Algo de egoísmo permeia um bar vazio, algo de liberdade poética contribui com o olhar, e com o recordar.

A mesa 7, e seus habitués, a mesa 9 em que brindara a última despedida, a mesa 13, dos afoitos, e a singela mesa 3 em que hoje habita uma saudade.

Na mesa 3, por muito tempo, quando sorvia ainda a primeira dose das noites de um tempo breve, tivera a companhia discreta e aristocrática de um velho amigo. Não confessava, nem precisava, mas era a mesa mais terna, a mais representativa do estar simplesmente no bar.

Na sequência, o som já entoava Caymmi, e o doce mistério de um mar, o mesmo mar que sempre banhara seus sonhos, e que também apagara suas palavras na areia. Quanta juras de amor eterno, quantas promessas de dispensar adeus.

A tarde, em bossa já não tão nova, ocupava todo o salão, a saudade abraçava o sorrir, e o olhar, sempre perdido, buscava enfim o conforto de seu colo.

Feliz ano novo!

(31/12/2008)

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