O homem que falava com o passado
(luiz alfredo motta fontana)
- Há quanto tempo!
O barman equilibrava um sorriso enquanto lhe servia "o de sempre", que já poderia ser chamado de "não esqueci".
O copo baixo, o balde de gelo, o scotch 12 anos, a água mineral sem gás ao lado, a familiaridade refeita.
Acendeu um cigarro, enquanto distraído percebia as mudanças, elas sempre ocorrem, até mesmo na disposição das mesas, e das noites, que agora, por certo, eram outras...
Divertia-se com os olhares de espanto, até mesmo de dúvida, com que lhe brindava um, ou outro, habituée da casa, ao menos não necessitava acenar, ou responder a acenos, esses deixaram de ocorrer quando naufragara, quando voltou a ser o que sempre fora, um estranho, num mundo pequeno, e sem mudanças, o que lhe trazia conforto. Filosofava: - Pior o fado do igual surpreendido em queda.
A noite avançava, em calma, o mesmo barman, o mesmo balcão, o mesmo prazer no dourado do malte, e enfim, a certeza de não ser incomodado, afinal estava estabelecido um tácito acordo: - não nos conhecemos, portanto não nos enxergamos.
- Seria sua volta?
- Não! Era era só a despedida.
Ao acordar decidira, acabara seu tempo de homem que falava com o passado, a vida seguia e ele estava atrasado.
Naquela noite foi o último a sair, no mesmo passo lento, e a única mentira fora dita ao barman na despedida:
- Até amanhã!
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