terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Prosa na estante




Consulta médica é atividade de risco




(luiz alfredo motta fontana)






A clínica crescera, notou ao descer do táxi, três anos sem a frequentar, lembrava enquanto se dirigia à mesa das atendentes.


- O senhor faça o favor de recolher uma senha!

A voz impessoal, pertencia a uma jovem senhora, em uniforme e sorriso assépticos, como que reagindo a um assalto, tamanho o "desaforo" por ter se aproximado.

- Desculpe, é que...

Balbuciou ainda sem entender onde estava.

- Como lhe disse!

Aquela frase continha todo o desconforto em atender o inoportuno.

- Como lhe disse! Para ser atendido necessária a senha!

Apontava para um objeto vermelho pendente de uma daquelas paredes que se interpõem ao livre trânsito dos incautos.

-Após, espere a chamada, e só então poderemos atender!

Duas ou três pessoas próximas o olhavam como se olha um bárbaro.

Com a senha na mão, exitou, entre surpreso e incomodado.

Intermitente o som costumeiro, às filas de agência bancária, soava, após detalhada busca, percebeu o que poderia ser um sinal luminoso, em outra descuidada parede. mas lhe faltava os óculos. O que lhe tornou sócio do "poderia ser".

Não, não era seu número, refugou a dedicada atendente, com ares de quem não entendia como, numa clínica para cardíacos, o estranho paciente se comportava como deficiente visual.

Enfim, como na realidade só duas pessoas estavam à frente, chegou sua vez. Disse seu nome, e o do médico, com quem marcara consulta, a atendente, sem levantar os olhos, emendou;

- A consulta é R 150,00.

Entregou-lhe as notas, uma de 100 e outra de 50, o que desmontou toda uma sequência de consulta online ao cartão ou ao cheque.

- Seu CPF?

A voz revelava uma certa impaciência.

Ao que respondeu:

- Para quê?

E emendou:

- Não pretendo fazer cadastro!

A irritação já estava presente.

- Meu Senhor! Isso aqui é uma firma e preciso fazer a nota Fiscal!

Enquanto entregava a carteira da ordem, aquela instituição obrigatória para o tal pleno exercício da profissão, o que por si mesmo já é um paradoxo, provocando de imediato uma mudança nos ares e tratos da tal atendente, ao que parece sensível ao "prenome" doutor, pensava:

- "E eu que acreditava ser um consultório médico!"

Após toda a inútil introdução, ao ouvir a resposta esperada, quanto ao horário da consulta, que por certo estava atrasada, resolveu torturar a mocinha.

- Como fumante que sou, vou aguardar lá fora, por favor, me localizem lá!

Estranhos costumes reinam em nossa Pindorama, contratamos a consulta, pagamos, e o prestador desse serviço, não respeita sequer o horário.

Após 6 ou sete cigarros, e uma oportuna revisão dos últimos anos de vida sedentária, uma mocinha em trajes de enfermeira se aproxima, e exclama:

- Está na hora!

Enquanto tentava a acompanhar, surpreso pela velocidade imprimida nos tortuosos corredores, resmungava com seus botões:

- "Está na hora? Como? Isso foi quando cheguei!"

Por fim, qual cavaleiro andante, próximo do final do romance, vencera as escaramuças, e pode sentar à mesa do médico, que permanecia vazia, afinal o dito cujo deveria estar tomando um cafezinho, enquanto comentava a vitória de seu time no final de semana.

- Mas, pelo menos o cardiologista é bom?

- Gosto dele, tomamos um scotch juntos, nas noites de sexta.

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