O cinema, o domingo, as moças, e os sonhos
(luiz alfredo motta fontana)
Vila Santana, anos sessenta, população pequena, a praça em frente à igreja, a rua principal, com todos os bares, o Correio, ao lado, a única agência bancária.
O domingo era todo descanso, calmo, o som do Serviço Municipal, substituia o chiado dos rádios a válvula, desfilando boleros, mambos, valsas e sambas-canções.
A noitinha o murmurinho na praça, frente à Igreja, anunciava a sessão semanal do pequeno cinema, um sucesso com Victor Mature, ou Randolph Scott.
As moças, e como eram belas as moças da época, caminhavam no sentido horário, alternando risos breves, com cochichos e ares de anjos. Os moços, por sua vez, em harmônica e estudada indiferença, caminhavam em sentido inverso, escondendo intenções entremeadas com apelos.
Laquês, rouges, saias plissadas, de um lado; de outro, botas e botinas engraxadas, dois ou três sapatos de bico fino, isqueiros Ronson, ou Zenith, um ou outro chapéu, estes sempre em parceria com lenços amarrados no pescoço.
Os sonhos, embalados com Caubys, Angêlas, e até mesmo Galhardos distraídos, encaminhavam, por fim, lenta e ordenadamente, para a bilheteria.
Quando cheio o salão, as cortinas fechavam, o Canal 100, desfilava novidades da capital, o trailer convidava ao programa da semana seguinte, e por fim, o velho e bom sucesso da Metro ou Columbia, iniciava.
Quantos papéis de balas lançados no corredor, quantas lágrimas sensíveis em lenços finos colhidas?
Após a sessão, a magia, sem que se percebesse, as ruas restavam vazias, apenas o sobrevôo de um ou outro pássaro noturno, ou então, o deslisar, rente aos muros, dos gatos em ciranda conhecida.
Vila Santana adormecia, pronta para o amanhecer em renovada labuta campestre, por caminhos nem sempre firmes, em atoleiros que desafiavam os mais hábeis, em campos e pastos a serem cotidianamente conquistados.
Hoje, em contraponto, Matures já não são lembrados, Caubys mal frequentam o Brahma, meninas usam blush, domingos, por sua vez, terminam em angústia que precede as segundas sem prazeres.
- Alguém viu minha Crush?
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