quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Prosa na estante




Dona Cotinha e os palpites





(luiz alfredo motta fontana)


(outubro de 2008)







Dona Maricota das Dores e Santos, senhora bem nascida, com fortes raízes em sua terra natal, divide com a maioria, um grande problema, que é renovado todo santo dia, antes da novela das oito.

A crise, enorme, cheia de imprevistos, envolvendo todos os países que julgava intocáveis.

Dona Cotinha, como a chamam os amigos, é considerada bem informada, lê diariamente o jornal, embora, não confesse que, preste mais atenção à coluna dita social, assiste ao jornal televisivo, e comenta nas reuniões de quinta, com as amigas de sempre, os destaques nacionais e sobretudo as fofocas de seu meio.

Para manter seu glamour, invejado por todas, tem seu lado empresária, numa pequena, mas elegante, loja de decoração, onde consome seu tédio e acalenta seus renovados sonhos.

De uns dias para cá, um pulguinha se instalou atrás de sua orelha, ornada pelo brinco, comprado em feirinha, numa de suas visitas à capital.

Afinal, os articulistas econômicos, quer do jornal, quer da televisão, que sempre respeitou, em quem sempre depositou sua arisca credulidade, repetem todos os dias as famosas entrevistas, com "analistas", sempre os mesmos, sempre ao alcance dos telefones da redação, e, todo dia, eles têm uma razão nova, para acreditar e afirmar que o pior já passou.

Maricotinha acreditava, piamente, pelo menos até o final de semana passado, quando, distraída, separando legumes na banca do supermercado, ouviu, sem querer, é claro, aquele estranho, com ar de "doutor não sei do quê", comentando, que todos os "analistas' entrevistados, eram, executivos, portanto empregados de instituições financeiras, corretoras de valôres, ou ainda, de consultorias. Assim, os menos indicados para palpitar sobre suas próprias mazelas.

Aquela tarde foi terrível, a angústia tomou conta de seu semblante, aquela ruguinha nova, nascida no último final de ano, cresceu, instalou-se definitivamente em seu rosto, ocupou espaço nobre. Desafiou toda a maquiagem, e declarou solenemente, só cederia seu lugar, de destaque, para o efeito entorpecedor do Botox.

Maricotinha, já não era a mesma, descobriu-se desinformada, ou pior ainda, mal informada, o que agredia toda a sua formação, incluindo aí a escola normal, e a faculdade, que lhe deu profissão nunca exercida, afora o estágio, enfim, a erudição adquirida com esmero e devoção.

A próxima reunião de quinta-feira, será inesquecível, melhor comprar mais latinhas de cerveja, e renovar o estoque de gin.

Aguardem, providências serão tomadas, quiçá trocar os articulistas econômicos por dedicados jogadores de búzios, e consultas diárias ao horóscopo.

Unidas, irão vencer essa crise, vovó venceu a de 29.

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